João Ferreira <i>vs</i> Juncker
O desrespeito revelado por Jean-Claude Juncker (candidato indigitado pelo Conselho Europeu para a Presidência da Comissão Europeia) para com João Ferreira, deputado do PCP no Parlamento Europeu, provocou alguma indignação de alguns órgãos de comunicação social nacional. Não sem justificação, diga-se, pecando apenas por ser insuficiente face à gravidade do comportamento deste senhor, por não ter passado de um desabafo logo calado, por ter faltado o necessário esmiuçar dos fundamentos de um tal comportamento. Juncker é a mesma figura que Passos Coelho bajulou recentemente afirmando que se tratava de «um amigo de Portugal». Palavras que antes e depois haviam sido repetidas por Durão Barroso e por Paulo Rangel, os dois do PSD. Utilizando essas mesmas palavras ou outras que juntas se traduzirão no mesmo sentido, também algum dirigente do PS se poderia ter juntado ao coro, quando se sabe que a sua «família» política também o apoia. Esta convergência não esconde nada de novo, direita e social-democracia sempre se entenderam para definir políticas e nomes para as executar no comando da União Europeia (UE). Ainda recentemente Martin Schulz (membro do Partido Social-Democrata Alemão – SPD) foi eleito Presidente do Parlamento Europeu (PE) com o apoio dos Grupos de PS, PSD, CDS/PP e do MPT de Marinho e Pinto, decisão que contou com o apoio do governo de coligação da CDU de Angela Merkel com o SPD de Sigmar Gabriel. Uma coligação que funciona e cujo poder se evidencia a cada passo e em cada decisão tomada. Trata-se de uma prática transversal sem a qual não se compreenderá o processo de integração da UE. Convém lembrar a propósito que ainda há quase dois meses Juncker e Schulz participavam na colossal mentira da eleição do Presidente da Comissão Europeia «pelos povos da União» enquanto candidatos dos respectivos partidos políticos europeus, numa manobra que procurava maniatar a decisão dos povos na eleição de deputados de cada país ao PE para a legitimação da concentração do poder nas respectivas famílias políticas. Tudo para camuflar os desenvolvimentos antidemocráticos, os brutais ataques aos direitos e aspirações dos povos e às soberanias nacionais, decisões que definem o que é a UE e que constituem a obra dessa grande coligação entre a direita e a social-democracia – coligação que domina a Comissão Europeia, os governos do Conselho Europeu e detém a maioria de deputados no PE.
Mas voltemos a Juncker e ao desrespeito para com João Ferreira que melhor seria dizer o desrespeito para com o povo português. Juncker sabia bem ao que ia e quem o estava a questionar. Mas sabe ainda melhor os interesses e os objectivos que o movem. Que ele conhece bem a situação de Portugal, como afirmou, ninguém dúvida, mas que venha a contribuir para encontrar uma solução para os problemas de países como o nosso, temos a convicção que não o fará. O que toda a caricata situação revelou foi a sobranceria de quem acha que o mandato dos deputados ao PE deve servir para ratificar sem contestação todas as medidas que lhes sejam apresentadas, para participar no diálogo hipócrita dos que simulam diferenças para darem acordo ao fundamental. A distância que nos separa dos senhores que comandam a UE é cada vez maior, este debate é apenas diferente pela projecção pública que teve e nada mais, porque de casos semelhantes está o PE cheio. A arrogância e a prepotência são cada vez mais a identidade dos senhores da UE e da própria UE, tanto mais quando a realidade teima em contradizer os discursos laudatórios sobre o papel da UE. O desrespeito por propostas diferentes, por ideias e caminhos alternativos ao consenso neoliberal da direita e da social-democracia em resposta ao aprofundamento da crise do capitalismo, é a marca de uma UE que para continuar a funcionar como instrumento que é dos grandes grupos económicos e das grandes potências, terá de aprofundar ainda mais o federalismo – de que Juncker é entusiasta defensor –, destruindo as soberanias nacionais e o poder das suas instituições que constituições nacionais como a portuguesa salvaguardam e defendem, enfim destruindo tudo o que são empecilhos aos seus intentos de esmagar os direitos dos trabalhadores, da juventude, dos reformados e idosos. É caso para dizer sobre Juncker que com amigos destes os portugueses não necessitam de inimigos.